Na sessão de apresentação do programa de Comemorações dos 900 anos da Batalha de S. Mamede, realizado no dia 07 de dezembro de 2024, a Câmara Municipal de Guimarães apresentou “o fio condutor que deverá orientar todo o programa comemorativo” – expressão que se transcreve do folheto distribuído aos convidados – no qual se escreveram algumas locuções manifestamente negatórias do nascimento de Portugal em dia certo e determinado, hipótese em que se enquadra a Batalha de S. Mamede.
Quem ler com atenção o tal documento propositivo das comemorações, verifica que, com a orientação preconizada pela Câmara Municipal de Guimarães através dos referidos Comissários, a Batalha de S. Mamede vai ser assumida como o primeiro sinal de Portugal – mas apenas simbolicamente – porque, segundo a opinião ali manifestada, “nada aconteceu de um momento para o outro e nada se ficou a dever a um único facto, ou autor, por mais importante que tenha sido”, o que, em termos práticos, retira à Batalha de S. Mamede o carácter de episódio decisivo (último) em relação à independência de Portugal, e a D. Afonso Henriques o protagonismo insofismável neste pleito.
Mais recentemente, no episódio do programa ‘Visita Guiada’, conduzido por Paula Moura Pinheiro, exibido no passado dia 06 de outubro na RTP 2, e agora disponível de modo permanente na RTP Play, verifica-se que esta linha de pensamento foi enfatizada pela personalidade convidada, que é a figura principal da Comissão Científica criada pela Câmara Municipal de Guimarães.

De facto, quando a apresentadora lhe perguntou se “depois da Batalha de S. Mamede o ainda jovem Afonso Henriques queria mais”, a resposta do ilustre Presidente da Comissão Científica foi inequívoca:
“Sim, queria mais, como se veio a revelar de imediato. O único cuidado que nós devemos ter quando afirmamos esse «mais» é não dizer, em absoluto, nem afirmar de forma perentória, que ele naquele momento sonhava em ser rei e constituir um reino. O que acontece é que esses momentos decisivos na vida de Afonso Henriques – Investidura de Cavaleiro e Batalha de S. Mamede – são momentos que potenciam passos seguintes. E, portanto, é um processo que se vai constituindo. Por isso, eu digo muitas vezes que a palavra Fundação deveria ser banida da criação de Portugal e a palavra mais apropriada é Formação, porque introduz um processo em marcha que se vai fazendo”.
Antes de mais, manifesta-se o maior respeito por todos aqueles que olham para a génese de Portugal pelo prisma da “formação”.
O que não se pode admitir é que essa perspetiva seja difundida em canais de grande audiência em Portugal de forma dogmática, sob o “patrocínio”, aparente ou real, da cidade de Guimarães.
“Vai frustrar ou procrastinar o mais sublime objetivo da nossa cidade, tantas vezes e há tanto tempo proclamado pelos seus dirigentes políticos.”
Com efeito, a Câmara Municipal de Guimarães demonstrou falta de estratégia política ao adjudicar um projeto de comemorações que, com o tal “fio condutor” desenhado pelos historiadores convidados, vai frustrar ou procrastinar o mais sublime objetivo da nossa cidade, tantas vezes e há tanto tempo proclamado pelos seus dirigentes políticos, que é ver consagrado o dia 24 de junho como feriado nacional.
Como é óbvio, este objetivo só poderá ser atingido se previamente for alcançada uniformização no entendimento nacional sobre o dia 24 de junho de 1128 como o momento histórico em que se operou a autonomia plena do governo de D. Afonso Henriques ante o reino de Leão e Castela, o que vale por dizer, o dia em que Portugal se tornou um Estado independente.
Portugal precisa de encerrar a controvérsia e tudo fazer para instituir uma data que assinale o seu dia de nascimento como Estado independente, uniformizando o entendimento nacional sobre esta matéria, que, nove séculos após, ainda se mantém controvertido.
De resto, convém lembrar que a fundação de Portugal em dia certo e determinado é defendida por várias correntes de opinião, a mais preponderante das quais é aquela que aponta como decisivo o reconhecimento do título de rei a D. Afonso Henriques pelo primo Afonso VII de Leão e Castela, no dia 05 de outubro de 1143, em Zamora.
A mais elementar regra de lógica diz-nos que qualquer ser (entidade) não se forma sem primeiro ter nascido; e, por isso, a palavra Fundação não pode, nem deve, ser banida da criação de Portugal.
A defesa pelos vimaranenses do dia 24 de junho de 1128 como o primeiro dia de Portugal não se deve inscrever num sentimento de carácter estritamente bairrista; a palavra Fundação é um sinal (substantivo) que, quando usado com Portugal como determinativo, remete implicitamente para Guimarães, uma vez que faz parte integrante dos seus elementos identitários.
Espera-se que a estratégia seja revista pelo novo executivo e que a discussão sobre o dia de nascimento de Portugal não seja paralisada a partir de Guimarães, dado que a História não é uma ciência exata, ou, melhor dizendo, é influenciada por fatores como a subjetividade do historiador, a variedade das fontes disponíveis e a natureza complexa e mutável dos eventos humanos.
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