A administração pública está cheia de cérebros que não se portam como simples mortais que todos somos. Então no que toca à aplicação das leis, há interpretações à medida, por acaso, por infelicidade e por incompetência. Estas interpretações que implicam quase sempre perdas de direitos dos cidadãos, atrasos em investimentos, delongas em apreciação de processos, são quase todas cheias de originalidades e subjectividade quanto baste. Se não está na lei o dito funcionário encontra, se está na lei o mesmo funcionário interpreta, impôs a sua justiça.
Vem isto a propósito das decisões da Direcção Geral de Saúde – DGS – sobre a história do encerramento de empresas e outros locais por causa de aparecimento de casos onde a Covid-19 se manifesta quando há pessoas infectadas. O mais curioso e caricato que assistimos, há já algum tempo, aconteceu em Guimarães, com Têxteis JF Almeida, em Moreira de Cónegos. Bastou um caso, para a DGS – no local representada pela Delegação de Saúde – mostrar serviço, ao jeito de mais papista que o papa, interpretando a lei, indiferente à situação e ao facto de a empresa ter três edifícios fabris, de actividades distintas.
Um simples caso – que havia sido detectado pela empresa e que teve o tratamento adequado – isolamento da pessoa, desinfecção e encerramento do espaço – provocou o encerramento total daquele núcleo fabril. Comparando com o que se passou na Azambuja, o que temos? É que as infecções às centenas, em várias empresas, num núcleo industrial forte, a DGS nem uma palha mexeu. Não houve nenhum encerramento e todos ficaram a trabalhar.
Ora, em Portugal só há uma lei, todos somos iguais perante ela, nos termos da Constituição. Só que por cá somos zelosos, medricas, pouco sensatos a avaliar as situações, aplicamos lei, regulamentos, decretos e portarias, de uma assentada, sem dó nem piedade, querendo dar exemplo que não é exemplo nenhum. São estes ou estas zelotas que agem em nome da lei e de Deus, como se tivessem a maior razão do mundo. Depois, se o mesmo aconteceu em Lisboa, as leis são lavadas no Tejo para serem diferentemente aplicadas.
“Somos a favor dos empresários e a seguir virámos-lhe as costas quando eles precisam, deixamos que nos insultem…”
Eles, lá de baixo, chamam-nos provincianos e com razão. Porque aceitamos tudo o que eles nos impõem, sem protesto, armados em cumpridores de uma legalidade obscena, ofensiva de direitos adquiridos. E um exército, por norma da GNR, é mobilizado para ir ao local e obrigar o empresário a fechar as portas, a ferro e fogo. Em Guimarães, somos muito temerosos, pouco bairristas, e muito menos nortenhos. Vestimos o que agora é a moda – a capa do artigo – esquecemos a terra e região, somos a favor dos empresários e a seguir virámos-lhe as costas quando eles precisam, deixamos que nos insultem com tratamento de parolos.
E lá volta a ideia de que nós por cá não somos bons. É no futebol, a alta de fora, seja treinador ou director desportivo é que presta, na política aceitamos que substituam os nossos por outros de fora, aparentemente mais competentes – mas que copiam o que nós fazemos ou começamos a fazer. Essa malta, chega por aí, do alto da sua cátedra, muda o Zé para Quim, borra a vermelho o que era amarelo, vira o quadrado para bicudo, e nós batemos palmas, extasiamo-nos, trabalhamos como negros, e os outros são melhores do que nós com as nossas ideias.
Eu não sou politicamente correcto e digo claramente que quando julgam que eu sou parolo – e eles chico-espertos – vou à serra e reajo como agora. Temos talento em Guimarães – mas não lhes podemos tirar o tapete na hora em que eles iam começar a trabalhar, já tinham a papa feita. E tudo por causa de ciúmes que não os há só no amor – há na política, nos grupos, nos escuteiros, no comércio, na indústria, no futebol, etc. Valha-nos Deus… tanto cinismo que anda por aí… para esconder, afinal, a nossa pequenez, o nosso provincianismo, e o medo de que o vizinho seja melhor que nós!
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