A directora da Unidade Operacional em Governação Electrónica da Universidade das Nações Unidas, instalada em Guimarães, explica o que é a governação electrónica, como beneficia as instituições governamentais e onde Portugal se posiciona no ranking mundial.
Quando é que foi criada a Universidade das Nações Unidas (UNU) e em que é que consiste o seu trabalho?
A vontade de criar a universidade surgiu em 1969, com o então o secretário-geral, que percebeu que os problemas que a UN enfrenta são problemas complexos e percebeu que precisava de alguém que desenvolvesse conhecimento para o apoiar nas tomadas de decisão, e até foi com esse moto de science for policy que, de certo modo, ele propôs a criação da universidade. Na sequência disso foi criado um trabalho para fazer um estudo de viabilidade, se fazia sentido as Nações Unidas terem uma universidade e acabou por ser tomada decisão que sim e foi aprovada em 1972 pela assembleia geral, sendo que depois foram decorrendo durante três anos trabalhos preparatórios, de elaboração de estatutos, etc. Portanto, a universidade começou a sua actividade em 1975, é uma universidade especial, tem a sua Reitoria, ou seja, a sua sede, está em Tóquio no Japão. E é uma universidade muito especial porque, por exemplo, basicamente não tem alunos, não tem cursos, porque na verdade ela é quase que um conjunto de think tanks que desenvolvem, essencialmente, actividades de investigação, mas não só, de transferência de conhecimento e de trabalho conjunto com os países, com os vários estados-membros das Nações Unidas no sentido de contribuir para aquilo que são os grandes princípios e o que é, em última instância, o bem-estar da sociedade. Portanto, é por isso que é uma universidade muito particular, desde logo por isso, por outro lado também é uma universidade muito particular porque, ao contrário da maior parte das universidades, que até geograficamente estão concentradas num campus ou em dois campus, no nosso caso a universidade está dispersa pelo mundo. Além da sede onde está a Reitoria e uma série de serviços administrativos, de comunicação, de tecnologia, nós somos um conjunto de 13 institutos espalhados por todo o mundo. Seis estão aqui na região da Europa e depois temos um instituto no Canadá, um instituto em Nova Iorque, um programa na Venezuela, um em África, outro na Malásia, um em Macau e um outro instituto também em Tóquio, portanto estamos completamente distribuídos pelo mundo.
Como disse, a universidade não tem estudantes nem professores, mas tem investigadores?
Tem, tem essencialmente investigadores. Efectivamente, na generalidade, nós não temos estudantes nem cursos, com algumas pequenas excepções. Uma é uma oferta de um mestrado e de um doutoramento, que são mesmo oferecidos pela universidade das Nações Unidas, em particular pelo instituto que está localizado em Tóquio e esses são os únicos alunos nossos e programas de pós-graduação nossos. Depois, há duas colaborações, há uma colaboração num curso de mestrado e num curso de doutoramento na Holanda e uma outra colaboração num curso de mestrado e doutoramento na Alemanha. Portanto, são quatro programas, dois de mestrado e dois de doutoramento que são oferecidos de forma conjunta pelo instituto que está nos respectivos países e uma universidade desses países. Tirando isso, de facto não temos mais nenhuns alunos, o que nós temos, na essência são investigadores que trabalham em diferentes áreas, no nosso caso na área da governação digital e como as tecnologias podem ser usadas para as transformações dos governos, no caso dos outros institutos, trabalham nas respectivas áreas de actuação. Temos institutos que trabalham na área da água, dos recursos naturais, da economia, na área da cooperação regional, na área do ambiente, mas basicamente somos um conjunto vasto de investigadores.
Como foi criada a UNU-EGOV, situada em Guimarães?
Esta unidade que aqui está, que não é um instituto, é uma Unidade Operacional, foi criada em 2014, na sequência de um outro instituto que havia em Macau que trabalhava muito mais na área das tecnologias. Nesse instituto foram-se desenvolvendo diferentes grupos de trabalho, trabalhavam em diferentes áreas das tecnologias e desenvolvimento tecnológico, um dos grupos, na altura, começou a trabalhar a questão das tecnologias e da aplicação das tecnologias nos contextos governamentais e no contexto dos sectores públicos, que coincidiu temporalmente com uma altura em que toda esta área do governo electrónico começou a ganhar um grande boom. E, portanto, nessa sequência, o reitor começou-se a aperceber que de facto havia ali um grupo de trabalho muito interessante, que estava a desenvolver trabalho muito interessante numa área que começava a ganhar uma relevância muito grande e que podia, de facto, do ponto de vista daquilo que são as Nações Unidas ser uma mais-valia e dar um contributo muito grande. Nesse sentido começou a se desenhar a ideia de “será que faz sentido termos um instituto focado só nesta temática?”. Na sequência disso, aquilo que aconteceu foi que foi feito uma série de contactos, mesmo em termos de Nova Iorque, a nível da Assembleia e das várias delegações que lá estão dos diversos países, a ideia foi sendo apresentada, foi sendo discutida com estados-membros que começaram a manifestar interesse em acolher uma unidade desse tipo se fosse criada. Portugal foi um dos estados-membros que manifestou também esse interesse, com quem foram iniciadas conversações e em sequência disso acabou por se instalar aqui, de facto, a unidade.
E porquê Guimarães em específico?
A questão de Guimarães em específico foi porque, na altura, quando esse grupo se estava a começar a afirmar em Macau, também houve a coincidência temporal de estarem investigadores e professores que estavam ligados à Universidade do Minho, e terem estabelecido esses contactos e começou-se a desenhar naturalmente. Começou-se a ver que a Universidade do Minho podia ser uma universidade também interessante para acolher, aqui em Portugal, a unidade. Foram feitas conversas, na altura, com o então reitor que demonstrou também interesse, até porque há alguns departamentos na Universidade do Minho que trabalham esta temática, têm vindo a desenvolver esta temática. E, portanto, julgo que esses actores que na altura estiveram envolvidos nessas conversações, viram que havia aqui uma série de sinergias que podiam ser aproveitadas. Isso fez com que as conversas depois envolvessem, também, o presidente da Câmara para avaliar a sua disponibilidade e interesse em ter uma unidade deste tipo, e depois com o Governo português para o desenvolvimento de uma forma natural.
Pode explicar o que é a governação electrónica e como esta pode ajudar os decisores políticos?
Esta questão da governação electrónica, Governo electrónico, desde logo há muita terminologia, muitos termos que são usados, tem que ver exactamente com aquilo que está a acontecer, as tecnologias têm vindo a passar de um mero instrumento usado no interior das organizações para optimizar e automatizar determinadas tarefas, para serem usadas quase de forma constante e omnipresente. Quer dizer, elas estão, neste momento, desde a nossa vida privada até à nossa vida profissional omnipresente, quase não nos conseguimos desligar nem afastar das tecnologias. Isso tem vindo a acontecer também com as instituições governamentais que têm vindo a acompanhar este processo, é inevitável, fazem parte do ecossistema. Esta área da governação o que pretende é exactamente isso, é tentar aplicar as tecnologias de informação e extrair todo valor que as tecnologias de informação possam trazer para a melhoria do funcionamento das instituições públicas e das instituições governamentais quer ao seu nível interno, quer na sua relação com o cidadão. Por isso é que esta área engloba muitas coisas e há muitos chavões, muitas palavras que se vão ouvindo como as questões da interoperabilidade, do funcionamento de forma integrada de vários de serviços da administração pública, a questão de oferecer serviços públicos online ao cidadão, serviços que sejam inclusivos, que sejam capazes de envolver todos e que todas as pessoas sejam capazes de os realizar e de usufruir, que não crie mais divisão que se chama o digital divide, o fosso digital. Portanto, a ideia da governação digital é exactamente isso e também logicamente para que tudo isto funcione de forma mais concertada, que essas tecnologias e a forma como elas estão a ser usadas possam fornecer, não só essas melhorias na prestação de serviços, mas também melhoria na própria definição de políticas públicas, no sentido de envolver o cidadão que é o principal interessado na definição e até monitorização na implementação das políticas públicas mas também dar maior apoio e mais evidências aos decisores políticos.
Segundo a avaliação de 2022 das Nações Unidas, Portugal ocupa a trigésima oitava posição no Índice de Desenvolvimento de Governo Electrónico, num ranking que inclui 193 países. Era isto que se esperava?
Eu acho que aquilo que Portugal anseia, como qualquer país, não deve ser tanto o ter uma posição melhor no ranking, é sim, a preocupação de funcionar bem e funcionar de uma forma orientada e centrada no cidadão, ter uma sociedade que se sente bem com o seu Governo e com o seu contexto. É claro que, olhando para este tipo de instrumentos, estes rankings, estes índices que tentam sempre medir e dar uma ideia, fazer uma caracterização do nível de desenvolvimento do Governo electrónico, quanto mais elevada for a posição, logicamente, melhor, em princípio isso quererá dizer que estamos a caminhar no sentido de ter um estado que funciona melhor, instituições que funcionam melhor, mais transparentes, tratamento mais igual, etc. Aquilo que tem acontecido com Portugal e independentemente do ranking, olhando até para o valor da pontuação do índice, que isso é que, a meu ver, ainda traduz melhor aquilo que é o desenvolvimento do país, o que se tem vindo a verificar é que de facto Portugal tem vindo a fazer progressos muito interessantes. Eu posso dizer que há algumas iniciativas por exemplo que foram desenvolvidas em Portugal que foram muitas vezes apontadas como um exemplo, como uma boa prática e que vêm delegações do exterior para tentarem ver essas iniciativas, perceber como é que elas foram implementadas. Portanto, o que eu esperava efectivamente e que aconteceu é que Portugal esteja a dar passos no sentido dessa melhoria de chegar ao topo idealmente, e isso aconteceu, nomeadamente, se olharmos para o valor do índice que é um valor entre zero e um, que para Portugal houve um aumento em relação ao último índice que tinha sido publicado em 2020. Se o país podia ter avançado mais ao longo do tempo, se o país ainda tem alguma coisa para avançar claramente que sim, mas tem vindo a fazer progressos muito consideráveis.
Em 2020 ocupávamos o trigésimo quinto lugar, a que é que pode ser atribuída esta descida no ranking?
O que sucedeu foi que certamente alguns outros países que, no ranking anterior, tinham tido um valor de índice inferior a Portugal conseguiram, certamente, implementar um conjunto de iniciativas, introduzir um conjunto de ajustes e melhorias que fez com que acabassem por ter pontuado um bocadinho mais agora do que Portugal, e, portanto, em termos de posição do ranking, Portugal acabou por cair comparativamente. Mas é só isso, não quer dizer que Portugal piorou o seu nível de desenvolvimento, Portugal melhorou em relação aos parâmetros que são avaliados, aos indicadores de qualidade, porém outros países melhoraram também e melhoraram um pouco mais.
No Índice de Participação Electrónica ocupamos o trigésimo segundo lugar, o que é que isto quer dizer? Qual é a diferença entre estes índices?
O Índice de Participação Electrónica é, como o nome indica, mais revelador do desenvolvimento do país naquilo que são iniciativas de envolvimento do cidadão e de dar oportunidade de participação ao cidadão. Efectivamente, aqui, Portugal caiu e desceu também um bocadinho mesmo em termos do score, do índice, portanto ele tinha sido 0.8214 e passou para 0.7273. Isso pode ter várias razões, não quer dizer que, de repente, Portugal tenha deixado de ouvir o cidadão ou de estar preocupado com iniciativas. Aquilo que às vezes acontece quando se está a fazer estas avaliações a nível da participação electrónica é que algumas iniciativas de participação electrónica são um pouco sazonais, não são constantes. Vou dar um exemplo para ajudar a perceber: uma das iniciativas pela qual Portugal era muito reconhecido era o orçamento participativo nacional, há muitas iniciativas de orçamento participativo a nível Municipal, a nível local, isso já existe há muitos anos em vários países. Mas, em termos de orçamentos participativos nacionais, de ter a possibilidade de ter o cidadão envolvido na decisão, na proposta e na decisão de iniciativas que vão ser implementadas com o dinheiro do orçamento do Estado a nível Nacional, posso dizer que Portugal foi um dos primeiros países a ter esse tipo de iniciativas. E era uma das tais iniciativas que era apontada em vários relatórios, nomeadamente, chegou a ser submetida para receber um prémio na área da governação digital. O que acontece é que algumas dessas iniciativas são muito sazonais, por exemplo neste momento, se o país, por algum motivo, este ano, no próximo, não fizer essa iniciativa, na próxima avaliação ela já não vai ser pontuada. Portanto, eu presumo que alguma desta queda que aconteceu a ligeira pode estar muito relacionado com essa questão de haver uma ou outra iniciativa que, na altura em que foi avaliada há dois anos até estava a ser implementada e que, entretanto, possa ter deixado de ser. Na verdade, este é um índice suplementar do índice de desenvolvimento de Governo electrónico (IDGE), e o que é feito é, de um conjunto de indicadores muito vasto que constituem este tal IDGE, são retirados aqueles que dizem respeito a questões relacionadas com a participação electrónica e com base nesse subconjunto é que é calculado este índice de participação.
Qual é a contribuição da UNU-EGOV para a governação electrónica em Portugal? E em Guimarães?
Desde que nós estamos instalados no país que nós temos vindo a fazer um esforço grande para trabalharmos com instituições portuguesas porque nós fazemos toda a parte da investigação, mas também trabalhamos muito com os países, trabalhamos com organizações e instituições governamentais de vários, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Uganda, Arábia Saudita e muitas outras pelo mundo. Nós temos projectos com várias entidades, entidades equivalentes à AMA Portugal (Agência para a Modernização Administrativa) e outras entidades que tem necessidade de desenvolvimentos nesta área. O nosso grande desejo é ter projectos com instituições portuguesas. Temos vindo a fazer, desde início, uma tentativa de nos aproximarmos das organizações portuguesas no sentido de mostrar que estamos aqui, que podemos colaborar. Na sequência disso temos tido algumas colaborações, temos vindo a fazer esse trabalho e as coisas têm vindo e vão gradualmente acontecer. Já tivemos um projecto com o Ministério da Justiça há, sensivelmente, dois ou três anos atrás, temos tido projectos que têm sido apoiados pela AMA na área, precisamente, da avaliação dos websites das câmaras portuguesas e em conjunto com a Universidade do Minho, naquilo que é o conhecido como os estudos do IPI (índice de presença na internet) das Câmaras Municipais, que é um estudo que a Universidade do Minho já começou desde 2000 e que nós nos juntamos desde 2017/2018. Um outro estudo, também a nível das câmaras, foi um inquérito que foi feito para caracterizar toda a função da tecnologia do sistema de informação das Câmaras Municipais portuguesas. E temos, neste momento, em discussão quer um projecto, a meu ver, muito interessante com o Município de Guimarães, quer de projectos com a AMA que estamos, efectivamente, a tentar operacionalizar e chegar a um acordo sobre eles e começar a trabalhar neles. Em paralelo com o Município de Guimarães temos estado, também, a colaborar nalguns outros projectos, nomeadamente, há uns tempos fizemos um trabalho em colaboração com o Laboratório da Paisagem, estudo da percepção das atitudes e hábitos ambientais dos habitantes de Guimarães. Um estudo muito interessante que eu acho que tem um conjunto de elementos que podem ser de utilidade muito significativa para o executivo do Município e para a definição das políticas que estão a adoptar em termos ambientais na cidade. Estes são alguns dos exemplos de projectos que temos tido, agora a nossa enorme vontade e disponibilidade é para continuar a trabalhar e, tanto quanto possível, com instituições portuguesas e pôr a nossa capacidade e o nosso conhecimento também ao serviço dessas instituições.
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