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Quarta-feira, Dezembro 4, 2024
Daniela Cardoso
Daniela Cardoso
Arqueóloga, Conservadora Restauradora, Investigadora, dirigente associativa e especializada na área da Pré-história - Arte Rupestre pós-Paleolítica do Noroeste de Portugal. É Doutorada pela Universidade de Trás os Montes e Alto Douro onde defendeu a sua tese de doutoramento sobre a arte atlântica do Monte de S. Romão (Guimarães) e é autora de inúmeras publicações a nível nacional e internacional. Ainda como investigadora participou em diversos projetos relacionados com Arqueologia, Turismo e Património.

Barcos Pré-históricos: os registos gravados na pedra

A bacia do Ave, repleta de rios e inúmeras linhas de água que alimentam a riqueza da biodiversidade e da paisagem, ditou a ocupação pelo Homem, durante milhares de anos, de todo um vasto território. As barcas e barcos, nas suas diferentes tipologias, terão sido um dos meios privilegiados de comunicação e transporte fluvial. No monte de S. Romão, onde se situa a emblemática Citânia de Briteiros, obtém-se um amplo controlo visual para o vale do Ave, sendo possível observar desde o seu topo, na linha do horizonte, a zona litoral, onde desagua o rio Ave.

Uma delas foi gravada num bloco granítico, atualmente exposto no jardim do Museu Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento…

Foi neste contexto que os povos que frequentaram este local, na remota Pré-história, gravaram na pedra as imagens de diversas embarcações. Uma delas foi gravada num bloco granítico, atualmente exposto no jardim do Museu Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento, bloco este extraído de um afloramento de maiores dimensões o qual se encontrava junto ao balneário sul da Citânia de Briteiros. No séc. XIX, aquando dos seus trabalhos neste povoado, Martins Sarmento realizou in situ um esboço muito rudimentar dos motivos ali gravados, sem, contudo, realizar uma interpretação dos mesmos.

Mais tarde, já nos anos 30, também Mário Cardozo realiza aí um segundo registo gráfico, este mais detalhado, mas publicado em posição invertida, deduzindo-se que aquando do transporte deste fragmento para o Museu da SMS se tenha optado por colocá-lo nessa posição, não correspondendo à original in situ.

Se invertermos a pedra, em relação à posição em que se encontra na atualidade, um dos motivos parece representar um barquiforme (em forma de barco), com a proa alteada.

A outra representação de embarcação encontra-se gravada num afloramento granítico na vertente nordeste do Monte de S. Romão, num local designado de Bouça da Miséria. Apresenta um “desenho” diferente mas que apresenta também uma representação da sua proa. Ambos os motivos apresentam algumas analogias com algumas outras embarcações da Península Ibérica e da Escandinávia, podendo equacionar-se, perante os dados adquiridos até ao presente, que representam barquiformes pré-históricos, tradicionalmente atribuídos à Idade do Bronze, momento em que se intensificam as navegações na fachada atlântica.

Atualmente torna-se difícil equacionar todas estas hipóteses, dado que o Rio Ave, designado pelos romanos de Avus, é presentemente apenas navegável numa curta extensão de 2 Km, junto à foz, uma vez que sua possível navegabilidade para montante foi interrompida pela construção de diversos açudes e barragens. Terá então que ser feito um exercício de mudança de olhar ou de diferentes formas de olhar.

Ficam questões tais como: será que os povos que por ali circulavam representavam o que viam? Terão sido estes povos testemunhas da memória destes contactos?

Considerando a possibilidade do controlo visual da costa a partir do interior pode pois hipotetizar-se que as embarcações fariam parte deste cenário e que a sua representação ocorreu no Monte de S. Romão.

© 2020 Guimarães, agora!

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