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Quinta-feira, Dezembro 12, 2024

Os nossos rios e ribeiras e a emergência climática

Cristina Branquinho, Professora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.



Opinião de Cristina Branquinho

Numa recente saída de campo à ribeira das Alcáçovas, a presença de ruínas de moinhos de água da época medieval evidenciava que no passado a água tinha corrido de forma mais permanente do que me era dado a observar presentemente. O atual regime intermitente destes cursos de água nas zonas mediterrânicas do nosso país são um exemplo dos efeitos das alterações climáticas que podemos vir a observar nos nossos rios e ribeiras.

O problema das alterações climáticas é muitas vezes interpretado como um problema distante e longínquo. Distante porque se pensa que os efeitos destas alterações não se vão fazer sentir no nosso território. Longínquo porque parece que muitos dos efeitos significativos das alterações climáticas apenas afetarão as gerações vindouras, não compreendendo este problema como uma emergência presente.

No entanto, este problema é global. A Terra é um sistema complexo e o seu clima é determinado por fatores que atuam ao nível global. As consequências das alterações das concentrações dos gases com efeito de estufa na atmosfera têm impactos não só a nível global, mas também a nível regional e local. E é este o ponto que gostaria de fazer. Nem sempre é fácil isolar, identificar, quantificar e por isso prever o efeito que as alterações climáticas têm e irão continuar a ter a nível local, nos nossos territórios.

Estes fenómenos que ocorrem à escala global vão interagir com os contextos locais como a resiliência dos ecossistemas e das sociedades, resultando muitas vezes em situações que à escala local podem ter efeitos opostos, mas que resultam de uma mesma causa global. Por isso podemos ter secas prolongados ou cheias, ondas de calor ou períodos frios. Para poder lidar com estes fenómenos precisamos atuar às diferentes escalas onde os efeitos se fazem sentir nunca desprezando a escala local aquela onde vivemos quotidianamente.

Precisamos atuar ao nível nacional com as estratégicas de mitigação e adaptação às alterações climáticas.

Precisamos atuar à escala global no contexto das Nações Unidas, no contexto dos acordos de Paris ou do Pacto Ecológico Europeu. Precisamos atuar ao nível nacional com as estratégias de mitigação e adaptação às alterações climáticas. Mas é essencial que possamos atuar também ao nível local. Para isso temos de ter sistemas descentralizados de monitorização dos efeitos das alterações climáticas nos nossos territórios. Só dessa forma poderemos identificar os problemas, observar as suas tendências e agir antes que as consequências irreversíveis se possam fazer sentir.

Esses sistemas de monitorização e observação devem contar com a informação que a biodiversidade nos pode dar. Os padrões da biodiversidade que emergem em resposta aos fatores em mudança, permite-nos observar de forma precoce e de mais forma integrada os efeitos que as alterações climáticas têm nos ecossistemas que suportam as nossas atividades humanas.

📸 ce3c.ciencias.ulisboa

De volta aos nossos rios e ribeiras alentejanos. Um grupo de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa têm vindo a usar musgos aquáticos para avaliar a qualidade da água de diversas ribeiras. Estes cursos de água, nomeadamente os mediterrânicos são fortemente afetados pelas condições de seca ou de regime torrencial que se fazem sentir e que serão ainda mais acentuados no futuro. Estes biomonitores são capazes de refletir o “estado de saúde” do ecossistema através da sua vitalidade e da capacidade que têm de concentrar os poluentes, que de outra forma não seriam detetados na água.

Para além disso a proporção entre poluentes permite-nos identificar as potenciais fontes através da sua assinatura. Estes biomonitores podem ser espalhados com elevada frequência pelas ribeiras devido ao seu baixo custo dando uma informação muito detalhada sobre quais os troços das linhas de água que estão a ser sujeitos a perturbações.

Num cenário de alterações globais, que se pensa possa estar associado a um aumento da frequência e extensão das secas nesta parte do território, os problemas de qualidade das águas serão muito provavelmente acentuados. Acresce o facto de estar a aumentar a retenção da água em charcas e albufeiras nos períodos críticos de seca, acentuando o regime torrencial destas ribeiras e os problemas críticos de poluição que se possam fazer sentir.

Da próxima vez que passarmos nos nossos rios e ribeiras podemos estar atentos às mudanças que observamos e não esquecer as suas causas globais.

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